Escondia-se no quarto enquanto a avó chamava seu nome. Estavam os dois em casa porque lá seus pais o deixaram antes de viajarem. Já fazia três dias.
Resolveu sair. Não queria passar outra noite com a avó, que nada interessante gostava de fazer. Só assistia a novelas e jornal na televisão, costurava calmamente e passava parte da noite lavando os pratos do jantar.
E ele só queria voltar para sua casa - sentia uma sincera saudade do seu videogame.
Saiu do esconderijo e cruzou o jardim até ver-se do doutro lado do portão. A rua estava iluminada pelos poucos postes e pela lua cheia; já não havia nenhum amigo para brincar àquela hora.
Sentou-se no meio-fio e começou a planejar como voltaria para casa. Nem tinha idéia do quão distante estava de lá.
Depois de um certo tempo e muitos frustrados pensamentos, a rua começou a escurecer preocupantemente (mesmo estando os mesmos postes acesos) e o brilho da lua parecia-lhe agora mais sombrio que belo. Sentiu fome.
Ouvia de longe a avó chamá-lo pelo nome.
Levantou-se, enfim, da calçada e fez o caminho de volta. Na sala, encontra a doce velhinha, que vem depressa beijar-lhe a testa, abraçando seu corpo até quase sufocá-lo. Percebeu que nos ternos e profundos olhos dela havia lágrimas que os inundavam.
E com a voz doce disse-lhe que ficara preocupada e iriam à praia logo cedo na manhã seguinte. Inconscientemente, retribuiu o abraço da avó e deixou o corpo amolecer.
Comeram cuscuz e macaxeira, joagaram uma partida de gamão (até ganhara duas vezes, mas a avó tinha uma inacreditável sorte nos dados) e ele assistiu ao primeiro capítulo de novela de que gostara - foi o único.
Dormiram na mesma cama grande, de casal, e ele sentiu remorso por ter pensado em fugir. Aconchegou-se nos lençóis, feliz por sentir o cheiro quente da avó.
Percebeu que era a sua vista que agora se embaçava com lágrimas. Até que dormiu.