domingo, fevereiro 27, 2005

de um livro

Um pouco mais tarde, como uma turista que sobe ao quarto a descansar depois de ter passado a tarde nos museus, dirigiu-se ao ascensor. A virtude, quem o ignorará ainda, sempre encontra escolhos no duríssimo caminho da perfeição, mas o pecado e o vício são tão favorecidos da fortuna que foi ela chegar e abrirem-se-lhe as portas do elevador. Saíram dois hóspedes, um casal idoso, ela passou para dentro, premiu o botão do terceiro andar, trezentos e doze era o número que a esperava, é aqui, bateu discretamente à porta, dez minutos depois estava nua, aos quinze gemia, aos dezoito sussurrava palavras de amor que já não tinha necessidade de fingir, aos vinte começava a perder a cabeça, aos vinte e um sentiu que o corpo se lhe despedaçava de prazer, aos vinte e dois gritou, Agora, agora, e quando recuperou a consciência disse, exausta e feliz, Ainda vejo tudo branco.
(José Saramago, Ensaio sobre a cegueira)

sexta-feira, fevereiro 25, 2005

Cheiro d'água

De repente, um toró. Daqueles que se ouvem os pingos de chuva a desprender-se das nuvens. Ora, mas já?
Podia ser só mais uma chuva passageira, bem "verão", mesmo. Mas estranha-me o cheiro que veio com ela. Cheiro de chuva, de inverno, de frio.
Serão já as águas de março?