segunda-feira, janeiro 16, 2006

Los cuentos

Perguntou-lho com os olhos úmidos e tristes, mas com um brilho desperto de breve esperança e satisfação como o de alguém que acabara de ter uma grande idéia.
- Lê uma historia pra eu dormir?
Ele achou graça na infantilidade da questão e, como um pai, um irmão mais velho, um amigo que o fosse, levantou-se a procurar um livro nas estantes do quarto.
Ficara acertado, então, que, todas as noites, ele leria um conto em espanhol para niná-la.
Mesmo não sabendo ele espanhol. Mesmo já tendo ela de cor todos os contos do livro.
Ria-se da pronúncia dele, quando dizia “aunque” ou “peligroso” e achava prazerosa aquela leitura estranhamente pausada, de um espanhol quase sem sentido.
E ali não aflorou paixão ou desejo. Apenas a vontade mútua de ficarem naquele íntimo para todo o sempre, na esperança de que o mundo jamais pudesse alcançá-los novamente.

terça-feira, janeiro 10, 2006

A fazenda do Machadão

A fazenda do Machadão era o sucesso entre o pessoal da faculdade. Todos aqueles hectares de pasto, todas as incontáveis cabeças do rebanho, todos os cacarejos do galinheiro impressionavam a turma, já não tão dispersa como há alguns anos por causa das reuniões semanais que alguém resolvera inventar.
Mas Machadão odiava aquele cheiro de cocô de cavalo impregnando as suas roupas e móveis. Odiava atolar o carro e as botas (odiava esse papo de botas, também) no estrume animal espalhado pela fazenda. Odiava os altos impostos que pagava pra ter uma casa no meio do mais óbvio nada, sem Lampião algum pra animar-lhe a vida. Odiava os caminhões na longa estrada esburacada que levava à cidade. Odiava os buracos, também.

Disse à mulher, numa madrugada qualquer, quando o maldito galo cantou na hora errada, que não agüentava mais aquela vida.
- Não agüento mais esse cocô de vida – denunciando seus pensamentos idílicos-noturnos.
Ela, assustada mais com o impetuoso balançar do colchão que com o inesperado “cocô” no meio da frase, mandou o marido dormir, que a turma da faculdade chegaria cedo na outra manhã.
- E o João Antônio ainda por cima vai trazer aquela mulherzinha ridícula dele!
Realmente, não dava pra ser feliz tendo a mulherzinha do João Antônio ao pé do ouvido, falando sobre filosofia e astrologia e fazendo perguntas retóricas que, definitivamente, não combinavam com a atmosfera cheirosa a cocô de ruminante.