quinta-feira, outubro 04, 2007

De quando à mesa há mais que comida

Não quis falar mais do que o necessário. Nada além do bom-dia educado e do com-licença para sair da mesa. Eu
Não senti o conforto de almoçar em mesa cheia de comida e gente. Não abri o sorriso que geralmente me espanta o desespero. Ela
Perguntava insistentemente, tentando arrancar qualquer resposta. Incomodava-se com a energia próxima, latejante. Ele
Fingiu que nada acontecia, nada havia de diferente. Mastigou um pouco mais do que o necessário algumas vezes, quando distraiu-se com o clima estabelecido. Ela
Achava que tinha a culpa, mas permanecera em silêncio, para evitar discórdias. Saiu da mesa depois de mim, a fim de uma conversa em particular. Um
Chocolate. Um
Beijo. Um
Abraço. Nós
Trocamos pouquíssimas palavras, por minha culpa, sempre. Eu
Chorei ainda mais depois. Ela
Dormiu de remorso e frustração. Nós

quarta-feira, agosto 29, 2007

À Noite

Sim, ela pensou, mas ele nunca me negou nada.
Ele, lavando os pratos, começava a sentir uma coceira insistente atrás do joelho direito.
Ela correu até a cozinha, abraçou-lhe afagando seu tórax e comprimindo os seios nas costas dele.
Ele reagiu com um suspiro ao abraço, e com um chega-pra-lá de ombros à coceira.
Ela ficou chateada e deixou os braços soltarem do corpo dele.
Ele não notara antes que ela estava só de calcinha, tão entretido estava com os pratos do jantar.
Ela vestiu uma blusa dele que cobriu todo o seu corpo.
Ele suspirou novamente, livre da coceira.
Ela foi para o quarto.
Ele foi ao banheiro.
Ela dormira pensando no abraço rejeitado.
Ele foi ao quarto, apagou a luz e beijou-lhe de leve os lábios.
Ela não se moveu.
Ele soltou um suspiro desencantado e fechou os olhos.
Ela continuou dormindo.
Ele continuou tentando dormir.
Ela acordou de manhã.
Ele ainda estava acordado.

O dia foi tranqüilo e normal, mas ele estava cansado à noite, quando ela já havia se recuperado da rejeição, e foi rejeitada novamente.

segunda-feira, julho 09, 2007

To kill

He thought there was no better way to spend the last moments of his life than flying down from the top of a building. And so he did. Went up to the roof of the tallest building in the city and contemplated the vertigo of dying.
After a few hours, much more than he expected to take up there, he finally took the courage to let himself go from the top. It took much less than he would have liked to, so as to give his entire life enough time to flash in front of his eyes...
And he hit a car, down the street, provoking a bigger accident. It was a big mess, his death.

terça-feira, maio 08, 2007

Eu escrevo com lápis HB

Acho que meus cabelos brancos estão começando a cair.
E eu que pensei, idiota, que a velhice já se tinha impresso no meu corpo ao descolorir meus pêlos. Tão cruelmente. As cãs caem. Caem, e levam, cada, um mês da minha memória ralo abaixo. A escorrer pelo cano, a descer com água ensaboada de dor.
Meu joelho esquerdo já não gosta de sentar.
E eu que pensei, estúpido, que o direito não andar mais como antes era o fim dos meus dias. Estúpido. Meus dias são cada dia mais infinitos. E os anos, cada ano, mais momentâneos. Todo ano eu rasgo um pedaço de papel pra escrever as mudanças que ocorreram – em mim, não no mundo. Eu escrevo a lápis.
Foi o que disse alguma amiga, décadas atrás, quando apenas uma dúzia de cãs enfeitava meu couro preto e denso.
Mas este ano, hoje, mal consigo segurar o lápis. Mal consigo pressionar o grafite contra o pedaço de papel que rasguei daquele caderno velho que começara a mofar.
Eu não leio, tampouco, o que tento escrever.
E eu que pensei, inocente, que minha caligrafia piorava por preguiça e falta de prática. São meus dedos. Os dedos de artrite com os quais ajeitei meus cabelos, e outros também. São três joelhos em cada dedo. Cinco dedos em cada mão. Direita. Esquerda. E eu que pensei que um joelho era desgraça bastante – pouco pude ver e saber de tão distante.
E eu que pensei, ignorante, que a miopia fosse me deixar antes de eu deixar o mundo. Mas os anos são breves e os dias, eternos. Meus olhos sofrem para ler o que eu escrevo a lápis. HB.

quinta-feira, abril 26, 2007

Que vem de lá

Eu sei que sou só uma falsa baiana, disse, olhando fixamente o altar. E pediu um pouco de paz ao Senhor do Bonfim, que prontamente atendeu ao seu pedido, fazendo cair sobre Salvador uma chuva de lavar as almas. Com os passos curtos, chegou à porta da igreja e fechou os olhos, pisando o degrau inferior e sentindo os pingos grossos das lágrimas do céu. Sentiu calafrios e labirintos, tremores e pontadas. Abriu os olhos e era noite, mas permaneceu ali, em pé. A falsa baiana só se moveu nas vezes em que o frio lhe entortou o corpo involuntário. Bebeu um pouco da chuva e chorou um pouco das lágrimas. Mas o pedido dela se tornou realidade e, no fim das contas, valeu a pena, pensou.
Ali no Bonfim, a falsa baiana sentiu paz pela primeira vez, desde que saíra de São Raimundo Nonato rumo a Salvador. Esqueceu da fome que lá sentira e dos filhos que lá deixara. E esse momento de paz, e frio, e dor a confortou mais que qualquer pão duro que já tivera comido no Piauí. Por algum estranho motivo, o santo baiano era bem mais forte que o tal do Nonato.

quarta-feira, abril 18, 2007

De línguas e idiomas

Ela se apaixonara pela língua dele. Não, não… pelo idioma.
Pela língua também, mas… bem, não vem ao caso.
Ela era uma daqueles que o recomendavam não perder o sotaque. Ela dizia que era parte do charme.
Mas depois de tantos anos juntos, ele eventualmente perdeu seu jeitão ímpar de pronunciar as palavras. E o charme também, me parece. Acabou desenvolvendo, involuntariamente quase, um sotaque nova-iorquino... cheio de R’s enrolados e T’s e D’s rapidamente estalados.
E ela o deixou.
Acho até que ainda gostava da língua dele. Mas seu idioma se perdeu no inglês. E seu charme também, me parece.

terça-feira, abril 10, 2007

Velha Irene

Irene trocou Bahia por Espanha. Estuda cinema em Madri e passa as férias em Barcelona. Faz amigos em espanhol.
Mas ainda sente falta do cheiro de dendê que tem Salvador.